terça-feira, 23 de novembro de 2010

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: RELATO DE EXPERIÊNCIA DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

Izabella Godiano Siqueira - Unesp Campus de Bauru,   Faculdade de Ciências, Licenciatura em Pedagogia, email: izabella.godiano@yahoo.com.br
Coordenador: José Carlos Miguel – Unesp Campus de Marília – Faculdade de Filosofia e Ciências, e-mail: jocarmi@terra.com.br
Orientador: Antonio Francisco Marques - Unesp Campus de Bauru - Faculdade de Ciências, e-mail: amarques@fc.unesp.br

          Introdução
O relato de experiência em foco visa relatar e refletir sobre a vivência de sala de aula de uma estagiária do Programa de Institucional de Iniciação à Docência – PBID – que tem em vista acompanhamento, inserção e a participação nas atividades pedagógicas desenvolvidas pela professora com um grupo de alunos.
A população que freqüenta as salas de educação de jovens e adultos apresenta experiências e vivências do cotidiano, considerando todo esse conhecimento produzido ao longo de suas vidas. Através de diálogos que obtemos o conhecimento de seus anseios, expectativas, histórias de vida e sua cultura. Com a interação do professor e aluno, é possível conhecer o universo do nosso educando, para depois elaborar atividades que sejam significativas proporcionando aprendizagens variadas.
O ambiente educativo, sobretudo na educação de jovens e adultos, as práticas educativas devem ter como centro o respeito e a valorização a todas as formas de expressão do educando. Cabe, portanto, ao professor realizar essa observação, na realização de conversas com seus alunos, a qual obtém melhora à medida que a prática docente vai se efetivando. Aliás, é nesta prática dialógica que o professor não tem o papel de mero instrutor, se constituindo num educador.

Metodologia
Neste trabalho, o relato da bolsista centra em mostrar o funcionamento da prática educativa docente e relatos dos alunos do pólo educativo que ela exerce as atividades do projeto, a sala de aula se encontra na cidade de Bauru, no bairro Parque das Nações, é um bairro com a população em sua maioria excluída do acesso ao usufruto dos bens econômicos, sociais e culturais. O bairro não tem supermercados, farmácias, a não ser alguns pequenos bares. Parte do bairro é formada por residências de casas populares e outra por barracos de uma favela.
O objetivo é mostrar através dos relatos dos alunos como era sua vida antes e como é sua vida após ter voltado para os estudos, se eles já tiveram contato com a escola e motivos que os levaram a pular esta etapa, também irei apresentar um relato da professora que nos fala como trabalhar com a diversidade dos alunos e que atividades são trabalhadas com os alunos e um relato em que exponho o que eu aprendi no decorrer do projeto.
O pólo atende alunos nos três períodos, manhã, tarde e noite, mais o que exerço é da parte tarde, abrangendo 16 alunos matriculados, com idades superiores há 30 anos, com exceção de um aluno, com distúrbio mental, de 19 anos. Para realização do desenvolvimento deste relato foi utilizado observação e entrevista semi-estruturada  com cinco alunas e a professora da sala de aula.

Desenvolvimento
O trabalho, inicialmente, foi marcado pelo reconhecimento do ambiente em que todos os educando estavam inseridos e obtendo informação o procedimento de divulgação do curso entre a população. Os que os alunos ali inseridos foram todos convidados pessoalmente pela professora docente do referido pólo. A professora em época de matricula passa de casa em casa fazendo levantamento das possíveis pessoas interessadas e mesmo convidando-as para as aulas.
É um processo que ajuda a professora ter contato pessoal com a realidade sócioeconômica dos alunos, bem como estabelecer relação de amizade com eles, pois são pessoas simples vêem na visita da professora um gesto de consideração e amizade.
 São trabalhados exercícios de alfabetização como: o alfabeto, leitura de palavras, exercícios de escrita e operações de matemática. Todos os conteúdos estão relacionados com o cotidiano do aluno, despertando assim maior interesse de aprendizagem. A professora trabalha com os alunos projetos de artesanatos e produtos que possam ajudar na economia dos educandos, como: aprendizagem de fazer sabão caseiro, tricotar cachecol, bordar toalhas de mesa etc. Pude perceber que os alunos se sentem mais entusiasmados quando são inseridos em sua rotina de aprendizagens projetos artesanais.
As aprendizagens são lentas e cada aluno tem um ritmo diferente, pois a dificuldade nesta fase é maior, as desistências são muitas e o desânimo dos alunos é grande, pois a falta de auto estima faz com que desistam do ensino, muitos problemas são familiares e rotinas domésticas fazem parte dessas pessoas, sendo o trabalho junto à professora incentivar esses alunos e auxiliar no processo de aprendizagem.
A estagiária acompanha e auxilia a professora na aprendizagem dos alunos, em leituras, operações de matemática, escrita, projetos artesanais e construção de atividades pedagógicas. Participa dos passeios a teatros e lugares culturais que também é proporcionado a esses alunos como forma de lazer e cultura. Os alunos ao participarem das atividades culturais são inseridos a cultura que lhe é oculta, pois a situação econômica e social de cada aluno dificulta o acesso às atividades. A professora através dessas atividades faz com que seus alunos entrem em contato com uma outra realidade social, trabalhando em cima disso a alfabetização de seus alunos como: diálogos, imaginação, senso crítico etc.
Além do relato da experiência da estagiária no projeto, há relato também o relato de cinco histórias de diferentes alunos do projeto e um relato da professora entrevistados.
A aluna “A” tem 46 anos, diz ter estudado o primeiro ano das séries iniciais, mas sua mãe a tirou da escola porque ela não aprendia nada do conteúdo e precisava trabalhar, assim que saiu da escola foi trabalhar de doméstica. Ela tomou conhecimento do curso através da visita da professora a sua casa para convidá-la a participar da EJA. Quando começou não sabia ler nem escrever, mas hoje já constrói frases e desenvolve leitura. O que foi possível perceber na conversa com ela foi a visão negativa de sua aprendizagem, não consegue notar a própria evolução; diz ter vergonha quando a professora pergunta algo que ela não sabe responder,  disse que não consegue separar os problemas de casa para poder ir tranqüila para o ensino. Seus problemas são muitos, filho está preso e não vai visitá-lo porque não sabe pegar o ônibus. Mas ao contrario do que diz pode se afirmar que essa aluna evoluiu muito, sem domínio nenhum da leitura e da escrita no inicio e hoje o seu desempenho mostra que já progrediu. Aqui está o desafio da professora de estar dando aos alunos o feedback do progresso por eles realizado na aprendizagem.
A aluna “B” tem 35 anos, estudou até a primeira série dos anos iniciais, motivo de parar os estudou foi porque a mãe a tirou para trabalhar de doméstica. Foi convidada também pela professora para participar do EJA. Diz gostar muito, pois aprende e conversa com pessoas diferentes, ela fala que percebeu sua evolução e diz que aprende cada dia mais, desenvolve a leitura e a escrita. Tem muitos problemas em casa, mais falou que ao chegar à escola deixa seus problemas lá fora e entra com a cabeça nos estudos. Finaliza nossa conversa expressando seu carinho pela professora.
A aluna “C” tem 68 anos, nunca freqüentou a escola e as poucas coisas que aprendeu foi com a família. Ficou sabendo pela comunidade do pólo de educação de jovens e adultos, está freqüentando há pouco tempo, disse já conhecer as letras do alfabeto, sua maior alegria. Acha que não irá aprender muita coisa devido a sua idade e a dificuldade da rotina familiar que faz com que se atrase para as aulas.
A aluna “D” tem 51 anos e estudou até o quarto ano das do ensino fundamental, optou por voltar aos estudos, pois afirma que não se lembra de nada, diz que assim que começou a freqüentar as aulas do pólo de educação de jovens e adultos já aprendeu muito, e diz ter conhecimento de um pouco de tudo. É muito dedicada e diz estar recordando muita coisa. Ficou sabendo das aulas por uma colega que freqüenta também e a convidou para participar. A única coisa que diz é sobre a freqüência das colegas, que não freqüentam todos os dias e ela diz sentir falta de uma quantidade maior de colegas aprendendo.
A aluna “E” tem 37 anos, estudou pouco e também recebeu o convite da professora para participar das aulas. Entrou sabendo um pouco de leitura e escrita, mas tinha dificuldade com a matemática. Diz ter aprendido muita coisa desde que começou a freqüentar, pois desenvolve muita coisa na sala de aula. Em casa tem a ajuda do filho de 13 anos, na qual ele estimula a mãe com as tarefas.
A sala é formada praticamente por senhoras. Suas histórias de vida são muito tristes e elas não tiveram infância, pois precisavam trabalhar desde muito cedo, quase todas tem algum membro da família preso e alguns alunos não têm endereço certo, pois estão em um trecho do bairro com moradias irregulares. Formar essa classe ainda está sendo uma dificuldade, pois alguns alunos precisam escolher entre a escola e a subsistência, para elas a escola não é prioridade. A professora diz direcionar seu trabalho diário focando assuntos voltados à realidade cotidiana, como: família, escola, comunidade, trabalho.

O método não pode ser imposto ao aluno, e sim criado por ele no convívio do trabalho educativo com o educador. Assim, as próprias palavras motivadoras pelas quais inicia sua aprendizagem da leitura e da escrita não podem ser determinadas pelo professor, mas devem ser proporcionadas – mediante uma técnica pedagógica especial – pelo próprio alfabetizando. (PINTO, 1991, p.87)

Três alunas nesse grupo freqüentaram escolas especiais na infância e contam que abandonaram os estudos porque não conseguiam aprender, mas hoje essa dificuldade ainda persiste.
Outra aluna certa vez, pediu desculpas porque a letra da tarefa de casa havia ficado torta e explicou que não tinha uma mesa para apoiar o caderno. Essa mesma aluna diz que já esteve “no fundo do poço” por problemas de alcoolismo e drogas. Hoje ela está em tratamento médico e diz que a escola tem um papel importante em sua recuperação.
No semestre passado foi realizado um trabalho com receitas de pão, de sabão ecológico, diversos artesanais como: pintura de guardanapos, bordados, enfeites de sabonetes e até tricô com uso de tear. Foi realizada uma exposição desses trabalhos em um Bazar de Artesanato que reuniu várias classes do EJA. Os alunos ficaram orgulhosos ao ver o produto de seu trabalho em exposição.
Como qualquer processo educativo, as aulas no Pólo Parque das nações, exigiu minha atenção, reflexão da prática e modos diferentes de ensino. Esses alunos são diferentes, devido às condições que vivem e por dificuldades enfrentadas, exigindo de da professora uma necessidade de não se abalar com histórias pessoais dos educandos, as quais sensibilizam, para que possa continuar com forças para ajudá-los em sua alfabetização e realização social.

Considerações Finais
Apesar de a estagiária ser aluna de graduação estar acompanhando a pouco tempo as atividades da sala, tem sido enriquecedor por proporcionar conteúdos para a discussão com os colegas e professores da universidade que são coordenadores das atividades dos bolsistas e co-autores deste relato.
Por outro lado, também as dificuldades da prática têm sido experiências importantes para o confronto com os conteúdos de literatura estudada na disciplina Alfabetização de Jovens e Adultos constante no currículo do Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho da qual a estagiária é aluna e os co-autores deste trabalho são professores.
Um dos problemas ainda enfrentados é a evasão dos alunos nas escolas, o grande impasse encontrado é o fato deles acharem que tudo conspira com o processo de aprendizagem, seja problema familiar, rotinas domésticas, cansaço, desmotivação pelo alto grau de dificuldade, então é preciso ser persistente na tentativa de convencer  e criar condições objetivas para os alunos continuarem freqüentando as aulas.
Essas constatações vêm confirmar a considerações feitas na introdução deste trabalho. Se o aluno não freqüenta escola no tempo adequado depois as dificuldades se multiplicam, quase sendo insuperáveis. O que falar para uma pessoa que deixa os estudos porque tem que trabalhar na faxina para aumentar os parcos rendimentos da família que foi caso de muitas delas no passado, em situações exploração do trabalho que eram submetidas, e que mesmo agora adultas não conseguiram superar.  Talvez fosse importante uma bolsa escola para que essas pessoas possam freqüentar o ensino mais formal de alfabetização. O que está em jogo é um direito constitucional negado, seria por parte do Estado uma reparação por um direito básico que lhes foi negado na infância.
A estimulação dos alunos é um dos fatores essenciais por parte da família e do professor, para que continuem freqüentando os estudos. Porém, ai está um desafio, pois os próprios familiares, nestes casos, não têm tradição mais irrigada de escolarização. Os próprios professores às vezes não têm a consciência clara do sentido da educação enquanto direito, ou melhor, enquanto direito de cidadania. Pode parecer absurda está afirmação, mas a realidade comprova a asserção. Alias como diz Rios,

A cidadania implica uma consciência de pertença a uma comunidade. Ela se estende a todos os indivíduos da sociedade, sem discriminação de gênero, raça, credo religioso etc. Isso nos leva a reconhecer a verdadeira significação da cidadania: não se trata de considerá-la como uma questão geográfica, como à vezes se pretende. Nascer num país não significa ser cidadão deste país. A cidadania se caracteriza pelo acesso aos bens aí produzidos, pela possibilidade de livremente participar da configuração que cotidianamente se dá a este país, pelo reconhecimento do  direito de dizer sua voz e ser ouvido pelos outros. Logo, ela só tem condições de efetivar num espaço de democracia (2004, p.126).


                Esta é a consciência que se deve criar no processo educativo de EJA, principalmente, pelo fato de serem privados de um dos direitos que constitui fundamento da cidadania.       Aqui está uma situação a ser vencida pelos próprios professores em formação ou em atuação, mesmo que os alunos pertençam as classes populares, mas que as condições de vida são bem melhores que a de seus alunos. Os primeiros  - tiveram oportunidades de escola, emprego formal etc., já os segundos, são pessoas privadas de escola, de moradia humana, de trabalho formal e outros bens necessários para garantir o mínimo de uma vida decente, nesta altura de desenvolvimento da sociedade brasileira. O risco está no fato de que o educador caia na generalidade sem ter visão concreta das condições de vida de seus educandos.

Referencias
PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez, 1991. 7ª Ed.
RIOS, Terezinha Azeredo. Ética, ciência e inclusão social. In: CARVALHO, José Sérgio (org.) Educação, cidadania e direitos humanos. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 118-129.

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